terça-feira, 8 de abril de 2008

Estrelas, Carregadores de Piano e Habitantes

Olá,

A maioria das grandes empresas tem ou já teve um programa de desenvolvimento de novos talentos. A idéia por trás desses programas é identificar o pessoal mais jovem e com grande potencial de desenvolvimento e criar condições para que essas pessoas sejam incentivadas a buscar maiores desafios dentro da própria organização.

Pessoalmente acho que as empresas devem investir no potencial das pessoas, mas tenho um pouco de preocupação com a maneira como esses programas são concebidos e administrados. A idéia de selecionar algumas pessoas e rotulá-las como talentos a serem desenvolvidos não me agrada, primeiro por que questiono o benefício para um jovem profissional de ser precocemente chamado de talento, segundo por que percebo um grande impacto negativo sobre aqueles que não são selecionados.

Essa discussão me leva a uma analogia que o Professor Pedro Mandelli apresentava em suas aulas sobre gestão de pessoas no MBA da Dom Cabral. Ele falava de três categorias de pessoas que coabitavam nas empresas: as estrelas, os carregadores de piano e os habitantes.

As estrelas são as pessoas que por sua habilidade interpessoal, aliada a determinado grau de competência técnica e/ou administrativa, são reconhecidas como as mais brilhantes e destacadas da organização. Elas podem ser extremante competentes ou não, mas sua capacidade de promover suas realizações e de justificar suas falhas é tão bem desenvolvida que são sempre vistas como bem sucedidas.

As estrelas costumam ter carreiras meteóricas (desculpem-me pelo trocadilho), chegando a cargos elevados em um tempo relativamente curto. Esse tempo curto de crescimento profissional, abrevia o processo de desenvolvimento e faz com que falhas de formação existentes se tornem cada vez mais evidentes. Não é raro encontrar estrelas que brilham fortemente por alguns anos e depois entram em decadência e são obrigadas a abandonar seus cargos por falta de competência técnica. Isso não quer dizer que essas pessoas não possuem potencial para ocupar cargos mais importantes, elas apenas foram promovidas antes do tempo e são mais vítimas do que vilãs.

Não tão brilhantes como as estrelas, mas com capacidade muitas vezes superior ao delas, estão os carregadores de piano. São pessoas comprovadamente competentes, que conhecem bem a organização, e fazem o possível para manter as coisas funcionando. Em geral são profissionais mais experientes, mas que não tiveram a oportunidade de crescer tão rapidamente na organização. Sua capacidade de manter as coisas em ordem e de vencer os obstáculos do dia a dia faz com que a organização tenha muito medo de movê-los, o que limita sua capacidade de crescer.

Os Carregadores de Piano são fundamentais para o sucesso da organização. Sem eles, uma empresa está com seus dias contados, mas isso poucas vezes é reconhecido. As empresas deveriam ter mais carregadores de piano e, se possível, trabalhar para que eles também sejam reconhecidos como estrelas. Minha visão é de que qualquer estrela deveria provar ser capaz de carregar o piano, antes de ser alçada à categoria de estrela.

Nem todos os carregadores de piano querem ser estrelas. Alguns preferem se manter na função de carregadores de piano e não há mal nesse tipo de pensamento. Afinal, não existem cargos altos para todos em uma organização e contar com pessoas que estão satisfeitas com suas atribuições atuais é muito bom.

A última categoria de pessoas são os chamados habitantes. São pessoas que definitivamente não são estrelas mas não possuem a mesma tenacidade e competência dos carregadores de piano. Elas fazem o seu trabalho de forma aceitável mas não vão além de determinados limites, estão satisfeitas com sua condição de trabalho, e consideram a empresa como uma forma de manter suas famílias.

Mais uma vez, não há problema em termos vários habitantes nas organizações. Eles são tão importantes quanto os carregadores de piano e as estrelas, principalmente por que realizam tarefas que nenhuma das outras categorias gostaria de realizar.

Um organização equilibrada deve possuir algumas estrelas, vários carregadores de piano e muitos habitantes. Além disso, o ideal é que estrelas sejam elevadas a essa categoria somente depois de demonstrarem sua capacidade de carregarem piano. Por sua vez, todos os habitantes devem ser incentivados a assumirem posições de carregadores de piano, sem que isso se apresente como mandatório para a permanência na organização.

A analogia acima é interessante para entender como as organizações funcionam e que papel cada um de nós exerce nas mesmas, mas não deixa de ser uma forma de rotular as pessoas e, portanto, seu uso deve ser evitado como instrumento de desenvolvimento organizacional. Por favor, evite sair por aí chamando seus colegas ou subordinados de estrelas, carregadores de piano ou habitantes. Você pode ofender muita gente...

A verdade é que todos nós assumimos os três papéis em alguns momentos. Uma mesma pessoa pode ser uma estrela em determinado assunto e um simples habitante em outro. Da mesma forma, podemos ser estrelas em determinado projeto e verdadeiros carregadores de piano em outros. Como tudo na vida real, somos parte de um mosaico de cores e tonalidades diferentes, que variam no tempo e no espaço. Nada é fixo e, portanto, rótulos devem ser evitados.

É por conta dos pontos levantados acima que não sou simpático a programas de desenvolvimento de novos talentos. Em princípio, prefiro não rotular pessoas ou grupos, o que está implícito nesse tipo de programa. Mesmo que aceitasse rotular, creio que a tentativa de definir precocemente quem deve ou não ser um talento no futuro é mais danosa do que benéfica. Somente o tempo é capaz de dizer quem será capaz de se desenvolver e em que área específica. Se queremos maximizar nossas chances de encontrar as verdadeiras estrelas, devemos dar a todos a oportunidade de enfrentar desafios e demonstrar sua capacidade de carregar pianos e sua vontade de brilhar na organização.

Se você tem comentários ou sugestões sobre esse tema, envie um e-mail para paulo.pinho@uol.com.br.

PP

Nenhum comentário:

Postar um comentário